CULTURA DO ENCONTRO E INCLUSÃO SOCIAL


Margarida Drumond
A tônica de nosso tema, hoje, refere-se ao tempo iniciado na quarta-feira, pós-carnaval,
a partir do qual a Igreja convida-nos a uma reflexão: a Quaresma. Neste sentido, anualmente,
desde os anos 1960, a Igreja traz a Campanha da Fraternidade, buscando reflexões que
promovem a inclusão, com temas que abarcam as necessidades de todas as pessoas. Agora, o
tema é “Fraternidade e Políticas públicas”, com o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça”,
reflexões que o texto-base traz para estimular a participação de todos em projetos que devem ser olhados
atentamente pelos nossos governantes para o bem do povo. Neste período, temos chance de nos
prepararmos para a festa essencial de nossa fé, a Ressurreição de Cristo, que nos veio para mostrar o
caminho que leva ao Pai, constituindo-se ele próprio, na pessoa do Filho, o Caminho, a verdade
e a vida. Para tanto, devemos abandonar entraves diversos que nos afastam uns dos outros, a
exemplo do uso inadequado das redes sociais, e isto, naturalmente, nos impede de ouvir o outro,
presencialmente.
Neste tempo quaresmal recordamos que Jesus assumiu nossa fraqueza humana e foi
tentado no deserto (Mt 4, 1 – 11), enquanto jejuava e se fortalecia para a sua missão. Aceitou o
caminho de cruz e morreu por nós, mas, redentor, reaproximou-nos. E são várias as dificuldades
que encontramos no caminhar de nossa vida; assim, trago o destacado por Francisco, em uma
reflexão no início de seu pontificado, dissertando sobre os mass-media. “Os muros que nos
dividem só podem ser superados se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos outros.
Precisamos harmonizar as diferenças por meio de formas de diálogo que nos permitam crescer
na compreensão e no respeito. A cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a
dar, mas também a receber de outros”. Por aquela reflexão, o amado pastor mostrou que vários
são os fatores a nos afastar, em especial a comunicação digital. Por meio dela, vêm uma
variedade de opiniões, absurdamente depressa, e, embora se afigurem como riqueza, podem
afastar por não as vermos conforme nossas expectativas, além de que, pela proximidade digital,
deixamos de estar perto fisicamente uns dos outros. Curioso também é que tal conexão pode nos
afastar até mesmo de quem está ao nosso lado, de fato. Deixamos de falar com alguém, à nossa
mesa, e partilharmos nossas lutas e ansiedades com quem está online. Sem um devido controle,
afastamo-nos omitindo nossa presença e o ombro às vezes necessário. Por isso, o desafio
tecnológico que nos encanta deve ser utilizado, com imaginação e sabedoria, para aproximar-
nos.
Nesse contexto da Comunicação, ocorre-me então quanto é essencial podermos escutar
o outro. Porém, distante fisicamente do interlocutor, não é fácil: não temos o olhar e o sentir
necessários. Virtualmente, a pessoa ainda nem terminou de expor o pensamento, e já queremos
expor o nosso; na aflição própria de uma pretensa comunicação, o interrompemos. A “escuta”,
ou melhor dizendo, a falta dela, é, pois, consequentemente, algo sobre o que devemos refletir.
Neste ínterim, lembro-me de um projeto colocado em prática, a partir de 2010 na Arquidiocese
de Mariana, o Projeto Arquidiocesano de Evangelização – PAE, que se constituía exatamente
em um convite para que todas as pessoas se tornassem, mesmo, “Igreja viva”, elo de uma real
comunicação pelo bem de todos. Foi o ano em que lancei Dom Luciano, especial dom de Deus,
sobre o arcebispo jesuíta que tanto buscou a inclusão dos menos favorecidos e que cuidou do
rebanho daquela Igreja particular de Mariana, durante dezoito anos: Dom Luciano Mendes de
Almeida. Então, acompanhei de perto aquela Arquidiocese, por um bom tempo e vi quando, em
final de 2013, Pe. Marcelo Santiago, representando os presbíteros e coordenando a Dimensão

Sociopolítica daquela igreja particular, destacou que os dois anos seguintes seriam dedicados à
Escuta. Ele lembrou Dom Luciano que ali chegara, da Arquidiocese de São Paulo, em 1988, e
propusera que as paróquias fossem agrupadas em setores, com assembleias comunitárias,
paroquiais e diocesanas, modelo depois seguido por Dom Geraldo Lyrio Rocha, acrescentando a
experiência do PAE. Aliás, o próprio Dom Luciano muito praticava a escuta, testemunhando o
que Jesus fazia, pondo-se a ouvir os que O procuravam para falar do que o afligia. Ser escutado
é, às vezes, o que o outro precisa. Ainda outro dia, ouvi uma gravação na qual Dom José
Belvino do Nascimento falava de haver escutado uma senhora, durante longo tempo, ao que ela
deixara transparecer a outrem quanto ele a ajudara. Pela escuta, promovemos a inclusão social,
possibilitamos um real diálogo, possibilitamos o amor.
Tais reflexões nos remetem ao que o sumo pontífice, carinhosamente muitas vezes
referenciado como Francisco, tanto pede: uma Igreja que vai aonde está aquele mais afastado,
ao que se sente isolado, sem vez e sem voz. Pela escuta, podemos trazer para junto do Cristo o
irmão distante. E, retomando o que pede a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, com a
Campanha da Fraternidade, a Procuradora-geral, Raquel Dodge, frisou que se trata de uma proposta em
sintonia com o Ministério Público. É mesmo intenção da Campanha, estimular a participação popular,
cobrando o cumprimento da Constituição, observando necessidades vigentes, de forma a diminuir
desigualdades.
Então, se colocarmos em prática os caminhos corretos para melhor nos aproximarmos uns dos
outros, seja pelos recursos dos mass-media ou pela escuta do outro e em especial considerando o
clamor da Campanha da Fraternidade, deixaremos de lado entraves que nos dificultam ver a
Igreja como o corpo místico de Cristo; deixaremos a ditadura do relativismo, vendo-nos a todos
como irmãos que somos, independentemente de uma outra escolha pessoal. Com isso,
possibilitaremos a prática do que disse o Mestre (Jo 17, 21) quando expressou desejo de nossa
união: “A fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam
em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”. Por meio de tais ações, o lugar em que
estamos será, como bem cita o termo grego, oikos, a nossa casa, um espaço para todos.
Brasília, 7 de março de 2019.
Margarida Drumond de Assis, timotense radicada em Brasília, é jornalista, professora e
autora de diversos livros, dentre os quais os romances Um conflito no amor e No acerto
dos bondes e o de poesia De novo o amor.
Contatos: (61) 98607-7680
margaridadrumond@gmail.com www.margaridadrumond.com