Margarida Drumond
O presidente Jair Bolsonaro permanece internado no hospital, notadamente pelo quadro
de pneumonia que o acometeu, após a cirurgia da retirada da bolsa de colostomia, sem dúvida
um tempo maior do que se pensava, e o país caminha devagar, no sentido das tão desejadas
mudanças na segurança, saúde, educação e outras. Enquanto isso, coisas acontecem deixando-
nos perplexos, e elas vêm como numa avalanche; tragédias sucessivas amedrontam e fazem
pensar: o país conta os mortos, dia após dia – famílias, a mídia, eventos sociais… veem-se
manifestações de silêncio reverenciando tantas vidas brutalmente ceifadas: os mortos de
Brumadinho; os que se foram devido a chuvas torrenciais no Rio de Janeiro; a dezena de
meninos atletas de base do Flamengo, pelo incêndio no Centro de Treinamento, onde dormiam;
e, ainda hoje, mais duas mortes, as do dinâmico e querido jornalista Ricardo Boechat e do piloto
Ronaldo Quattucci, pela queda do helicóptero na pista do Rodoanel em São Paulo, quando se
chocou com um caminhão.
Dessa sucessão de tragédias, as três primeiras, já se sabe claramente, ocorreram por falta
de atenção dos responsáveis e por negligência na fiscalização com rigorosa aplicação de leis.
Por tudo isso, vemo-nos a perguntar quanto vale uma vida? A considerar esses recentes fatos,
parece que nada. O ser humano é obra-prima de Deus, mas vem sendo desrespeitado
diariamente, ficando sua vida em segundo plano. Prioriza-se o capital, conforme desejam
empresas, organizações e mesmo pessoas de pouco ou nenhum respeito para com o outro. E se
nem a vida humana é poupada, menos ainda o espaço em que vivemos. Quanto vale a vida? Se
vale pouco ou nada, a resposta, constatamos, é mesmo negativa. Assim, mortes de todo tipo
acontecem aqui e alhures, e isto além das que se dão diuturnamente pela violência e pela falta de
assistência medica, por exemplo. Tanto descaso originou as mais de 160 mortes com o
rompimento da barragem de rejeitos de minério da Vale, estando ainda mais de uma centena de
pessoas desaparecidas; as 6 mortes nas enchentes pela torrencial chuva no Rio de Janeiro, sem
contar as milhares de pessoas desabrigadas; os 10 meninos do CT do Flamengo; e, hoje, as de
Boechat e Quatrucci, com a queda do helicóptero. Como as redes sociais têm apontado em
mensagens diversas, e algumas tocam fundo cada um de nós, também por elas vem o
questionamento quanto à vida, e, numa tentativa de entender tudo isto, contata-se que em tais
tragédias estão envolvidos os quatro elementos: terra, água, fogo e ar, o que nos mostra quanto
fugaz é nossa vida terrena; a qualquer hora e em qualquer lugar, podemos partir, momento no
qual o que importa é só o nosso ser, nosso coração. Lembrando-me de uma fala do saudoso Pe.
Abdala Jorge, sobre quem escrevi “Eu já nasci padre”, quando morrermos Jesus vai nos
perguntar apenas uma coisa: “Você foi bom?”
De nada vale pensar apenas no capital, se não se investe na pessoa e no ambiente em
que ela está no exercício da profissão; na realização de seus sonhos; na vida em família. Ao
nascer uma criança, ela é festejada e, ao longo dos anos, cuidada com carinho e esmero por seus
pais ou responsáveis. Afinal, é motivo de orgulho dos que lhe deram a vida, sendo, também, a
continuidade da prole. Por isso, há todo um investimento em função do bem da pessoa, há
renúncias, sacrifícios, tudo para que o outro cresça e se realize. De súbito, vidas se vão e o que
ficam são a lembrança, a dor e a saudade. Então, muito chocou ver a morte dos meninos que
tiveram suas vidas ceifadas brutalmente: chocados ficaram familiares, amigos e o Brasil.
Não teria valor a vida dos que se foram com a tragédia em Brumadinho; as dos que
morreram nas enchentes; as vidas de Arthur Vinícius, Athila Paixão, Christian Esmério, Gedson
Santos, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Bernardo Pisetta, Rykelmo de Souza, Samuel Thomas e
Vitor Isaías? O CT do Flamengo, no Ninho do Urubu, onde estavam alojados os dez que
morreram e os três que conseguiram escapar, não tinha permissão para tal. No entanto, os 13 se
encontravam, lá, dormindo, mas não tiveram como acordar, nem mesmo quando os colegas
gritaram para que saíssem: estavam desmaiados sob efeito de toxinas inaladas no incêndio que
os envolvia.
Como se deu com as mortes ocorridas por negligência e descaso, em Brumadinho e no
CT do Flamengo, as das enchentes poderiam ter sido evitadas. Sem investimentos adequados na
infraestrutura, ano após ano o estado do Rio é um dos que sofre com as intempéries no tempo
das chuvas. Já no tocante às mortes do jornalista e do piloto do helicóptero, também com
repercussão imediata e comoção geral, depoimentos dão conta de que o experiente piloto tentara
aterrissar, decerto por uma pane súbita na aeronave; não despencou de vez, tentou-se alguma
saída. Fato é que, em mais esta tragédia, outras duas vidas se foram. A morte do argentino
Ricardo Boechat, um já apaixonado pelo Brasil onde há décadas trabalhava e constituíra família,
jornalista atuante em várias mídias, sempre com argumentações fortes em suas considerações,
muito chocou o jornalismo brasileiro, seus amigos, sua família, a sua “doce Veruska”, conforme
a ela sempre se referia. Foi exemplar jornalista, mas, antes, pessoa humana e de bom convívio
com todos. Dentre as várias manifestações por sua morte, destaco a da Procuradora Geral da
República, Raquel Dodge, segundo quem “o silêncio de Boechat será eloquente e sentido em
todo o país, porque ele fazia a crítica séria e necessária que caracteriza o bom jornalismo e é tão
necessário para a democracia”.
Agora, uma vez registradas também as valorosas vidas de Ricardo Boechat e Ronado
Quattucci, é mister, em função das demais, dizer às distintas autoridades brasileiras, aos
senhores empresários, aos agentes esportivos que não podemos mais com o descaso para com a
vida humana. O capital não pode prevalecer, em detrimento do bem-estar do outro. Cumpre
respeitar o que reza o Artigo 3º da Declaração dos Direitos Humanos: “Todas as pessoas têm
direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Brasília, 11 de feverero de 2019.
Margarida Drumond de Assis é jornalista, professora e escritora, autora do romance Tempo de saudade,
que apresenta a história de Timóteo.
Contatos: (61) 9.8607-7680 margaridadrumond@gmail.com www.margaridadrumond.com