Mãe de assaltante processa policial que usou cena de morte em campanha


A cozinheira Regiane Neves da Silva Ferrari perdeu o filho Elivelton no dia 12 de maio, momentos depois de o rapaz de 20 anos anunciar um assalto em frente ao colégio Ferreira Master, em Suzano, na Grande São Paulo.

Uma policial militar, que estava de folga e acompanhava a filha de sete anos na escola, reagiu ao crime e matou o assaltante com três disparos.
O caso trouxe súbita notoriedade à policial Katia da Silva Sastre que, explorando o episódio na campanha, elegeu-se deputada federal pelo PR com 264.013 votos. Foi a sétima mais votada no Estado.
“Ela estava fazendo o serviço dela, não questionei e não questiono”, afirma a cozinheira de 48 anos, que tem outros 4 filhos e 7 netos.
“Como policial, ela podia matar, eu também ia tentar proteger os pequenos numa situação como aquela”, afirma, embora diga ter certeza de que o filho não pretendia atacar os estudantes. “Ele sempre foi muito carinhoso com crianças”, diz.
Ainda que não a culpe pela morte do filho, Regina entrou nas vésperas da eleição com um pedido de indenização na Justiça de São Paulo por danos morais contra a policial e o seu partido.
“Ao exibir a cena na propaganda eleitoral, dia após dia, ela me torturou e à minha família de um modo terrível”, afirma a cozinheira, que cobra R$ 477 mil na ação (o equivalente a 500 salários mínimos).
Na propaganda, após divulgar as imagens gravadas por uma câmera de vigilância instalada na escola, a então candidata dizia que atirou e que atiraria de novo. “Tenho coragem”, afirmava.
“Quando dizia que matou e que mataria de novo, eu pensava que era a mim que ela estava querendo matar”, afirma a cozinheira. “Afinal, meu filho já está morto, eu que estava sofrendo na frente da TV.”
Regina diz que foi diagnosticada com depressão e que vive à base de remédios. “O que ela fez foi um absurdo”, declara. “Toda vez que a cena aparecia na TV, meus netos gritavam: ‘vó, estão matando o Zoca de novo, venha ver’”.

Cabo da PM Kátia Sastre quando foi homenageada pelo governador de São Paulo Márcio França

Cabo da PM Kátia Sastre quando foi homenageada pelo governador de São Paulo Márcio França – Governo de São Paulo/Divulgação
No processo, a advogada Victória Eiras Monteiro, do escritório J. Beraldo, diz que a honra e a imagem do filho da cozinheira foi denegrida e que a situação causou constrangimento e sofrimento à família. “Exibiram de maneira cruel e espúria a imagem do falecido”, diz, no texto.
A cozinheira reclama também do governador Márcio França (PSB), que homenageou a policial no dia seguinte.
Na ocasião, França entregou-lhe flores e disse que o evento era para “cumprimentar a destreza, a técnica e a coragem” da cabo e que realizava a cerimônia porque era o dia das mães. “E ela é mãe.”
“Como pôde o governador elogiar aquele episódio no dia das mães?”, questiona. “O morto também tem mãe, mas é claro que ele precisava plantar para colher os votos na eleição, não é?”

A cozinheira, que não revela em que votou na disputa, afirma que o filho foi um adolescente maravilhoso, mas que passou a cometer crimes em razão das más companhias.

“Tentei de tudo, fiz tudo o que uma boa mãe faz pelo filho”, afirma. “Mas não consegui tirá-lo da criminalidade.”
Elivelton era um bom filho, respeitador, diz. “Sei que ele estava errado, nunca disse nada em contrário”, afirma. “Quem aponta uma arma para alguém está sempre errado.”
A cozinheira afirma, porém, que isso não muda o fato de que o amará para sempre.
Procurada pela Folha, a deputada eleita Kátia Sastre diz que não foi notificada da ação e que, por isso, não poderia fazer nenhum comentário.